sábado, 24 de abril de 2010

Theodor Herzl


Há cem anos, no dia 4 de julho de 1904, milhares de pessoas tomadas por devotada emoção acompanharam, nas ruas de Viena, o funeral de um jovem de 44 anos de idade, Theodor Herzl, advogado, jornalista, dramaturgo e estadista, embora jamais tivesse chefiado um estado.




Um mês antes, ele havia sido internado no sanatório austríaco Edlach, deprimido e debilitado. Os médicos não chegaram logo a um diagnóstico, mas no dia 1º de julho o paciente apresentava um nítido quadro de pneumonia. No dia seguinte, recebeu a visita de um amigo, o reverendo William Hechler, capelão da embaixada inglesa em Viena, a quem balbuciou: "Mande lembranças à Palestina, por mim. Dei meu coração e meu sangue pelo meu povo". Às cinco da tarde do dia 3 de julho, Theodor Herzl partiu para a eternidade. O incipiente movimento sionista ficou em estado de orfandade e perplexidade. Milhares de telegramas, vindos de todas as partes do mundo, de judeus e de não-judeus, foram endereçados à sua família. Naquele momento, a milhares de quilômetros dali, na pequena cidade polonesa de Plonsk, um rapaz de 18 anos, chamado David Green, escreveu para um amigo: "Que perda terrível. Porém hoje, mais do que nunca, sei que nós vamos triunfar. Sei que chegará o dia - e este dia não está muito longe - quando voltaremos para nossa terra maravilhosa, a terra da verdade e da poesia, a terra das rosas e das visões proféticas". Poucos anos mais tarde, esse adolescente trocaria seu nome de David Green para David Ben Gurion.

Em um de seus escritos, Herzl havia pedido para ser enterrado num caixão de metal, ao lado do pai, "até que um dia o povo judeu leve meus restos mortais para a Palestina". Foi com sentimentos mistos de júbilo e de tristeza que, em 1949, seu pedido pôde ser concretizado. Ele repousa no alto do monte Herzl, de onde se descortina uma das mais belas vistas de Jerusalém. Contudo, seu corpo não foi levado para a Palestina, mas para o recém-estabelecido Estado de Israel, a nação independente e soberana, germinada e impulsionada por sua ação e visão.

Foi para este país imaginário, do qual ele sequer chegou a ser cidadão, que Theodor Herzl dedicou os últimos nove anos de sua curta vida, ou seja, desde 1895, quando publicou um livro intitulado "O Estado Judeu", acrescido de um subtítulo, "Tentativa de uma Solução Moderna para a Questão Judaica". Não era uma obra de alcance literário. Tratava-se de uma descrição objetiva, passo a passo e viável, sobre a maneira pela qual os judeus poderiam retornar à sua pátria ancestral e que tipo de sociedade lá formariam.

Este livro causou um impacto sem precedentes no mundo judaico daquele fim do século 19. Até então, os judeus só falavam sobre o anti-semitismo em círculos fechados e a maioria até fingia ignorá-lo para não atrair a atenção de inimigos hostis. Herzl, entretanto, denunciou o anti-semitismo como ninguém havia feito e deu-lhe um desdobramento efetivo, de audácia pessoal, ao inserir essa questão no entrechoque das grandes potências de sua época. Antes dele, somente o judeu russo, Leon Pinsker, encarara o problema de forma semelhante, no livro "Auto-emancipação". O próprio Herzl admitiu que se o tivesse lido, talvez não tivesse escrito "O Estado Judeu" que, logo depois de publicado, teve edições em inglês, russo, ídiche, hebraico, francês e espanhol. A propósito, o jornal inglês Jewish Chronicle publicou em seu editorial: "Um Moisés acaba de surgir. Ele se chama Theodor Herzl". Contudo, isso não foi unanimidade.

Em Viena, ele teve o apoio de Freud, do dramaturgo Arthur Schnitzler, de Stefan Zweig e de associações de estudantes judeus. Mas também foi ridicularizado, tendo sido assinalada uma declaração de um rico industrial judeu nos seguintes termos: "É claro que apóio a criação de um estado judeu. Contanto que eu seja o embaixador na Áustria". O intelectual Nahum Sokolow, que depois se tornou um importante líder sionista, assim reagiu: "A rigor, temos apenas um folhetinista de Viena, brincando com a diplomacia".

Benyamin Zeev Herzl nasceu em Budapeste no dia 2 de maio de 1860, filho de Jeannete e Jacob, uma família da classe média alta. Quando completou 18 anos de idade, mudou-se com os pais para Viena, onde se naturalizou austríaco. As biografias tradicionais de Herzl sempre incorreram em dois equívocos básicos. O primeiro foi no sentido de afirmar que ele era um judeu assimilado, o que não corresponde nem de longe à verdade. Sempre foi um judeu consciente e preocupado com o destino de seu povo. Antes ainda de elaborar "O Estado Judeu", quando era correspondente em Paris do jornal Neue Freie Presse, escreveu uma peça de teatro intitulada "O Novo Gueto", que assim justificou para um amigo escultor: "Não adianta a um judeu ser um artista, como você. Como artista, você se livrou da tirania do dinheiro. Você não é um usurário, nem um judeu da bolsa de valores. Mas a maldição o continua perseguindo. A verdade é que nós não conseguimos sair do gueto".

O segundo erro dá conta de que Herzl só despertou para o problema judaico enquanto cobria o processo do capitão Dreyfus, um judeu francês injustamente acusado de espionagem e cujo julgamento teve um caráter nitidamente anti-semita. Na verdade. no início do processo, Herzl chegou a admitir que Dreyfus poderia ser mesmo culpado e sequer enfatizou sua condição judaica nas reportagens que escreveu. Também não foi o anti-semitismo francês que o preocupou, porque, em 1894, pouco mais de cem mil judeus viviam na França. O que de fato o mobilizou, foi a forte emergência de diversos nacionalismos europeus que poderiam gerar perseguições e, por conseqüência, grandes levas de refugiados oriundos do leste da Europa. Herzl via a Alemanha e a Áustria como o epicentro do anti-semitismo e sentia a decadência do império austro-húngaro, que vinha sendo um refúgio quase tranqüilo para mais de dois milhões de judeus. Foi quando nele se solidificou a idéia e a consciência da solução territorial-nacional para o problema judaico e que resultou em seu livro revolucionário, cujo prefácio é de absoluta clareza.

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